segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Chão

Troco todas as vistas de Lisboa por um pedaço de chão. Troco o barulho das gaivotas que amo, troco largas janelas abertas de frente para o casario, para o rio, para o mar, até troco o estendal da roupa e a brisa fresca da manhã, por dez palmos de terra em que possa descansar os meus olhos no final de cada dia de agitação. Troco tudo, incluíndo a segurança virtiginosa das alturas, pelos meus pés descalsos na relva e pelas janelas de casa escancaradas, longe da intromissão dos vizinhos curiosos.



No momento em que encontrei aquele pedaço de terra velha e suja e a vi por entre as fissuras e escombros, sabia que era ali. A minha casa, a minha Macondo. O cenário da minha história, independentemente do argumento. E assim, troquei o azul riscado de aviões, pelo verde sereno da aurora. Troquei o cheiro a maresia, pelo cheiro a pão quente que me invade a casa, sem permissão, todos os dias.


Transformei a ruína em minha casa, no meu chão. E agora, que tenho um local que me pertence e onde pertenço, posso finalmente parar de andar sem destino, desfazer as malas, desencaixotar relíquias, sair do vaso e espraiar raízes terra adentro. Encontrei o meu lugar, onde posso ler livros à sombra, no embalo da música que vem de dentro, com o cheiro do café acabado de fazer. E de pão quente, a todas as horas. A calma no meio do caos da cidade. 


Como uma árvore precisa de terra para criar raízes, também eu preciso de chão para me plantar.