sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Da escrita...



Com catorze anos as pessoas já tinham computador e jogavam Prince of Persia. Mas o que eu queria mesmo era uma máquina de escrever. Foi dos melhores presentes que alguma vez recebi, sendo o meu maior tesouro. Actualmente, tendo abraçado a tecnologia, olho com nostalgia para o tempo em que premia as duras teclas da Olivetti, com o cuidado de não me enganar e ter de começar de novo. Hoje em dia tudo pode ser reescrito, corrigido, alterado, apagado. Naquela altura, as coisas eram mais permanentes, com tudo de mau e de bom que isso signifique. Mas uma coisa permanece, independentemente da tecnologia... A vontade inultrapassável de jorrar pensamentos no papel, seja físico ou virtual. A necessidade de soltar as palavras de dentro para fora, como se me faltasse o ar. O desejo que estas vivam depois de mim. O amor pela escrita fez de mim o que sou hoje, fez-me optar por um caminho que talvez não fosse o melhor para mim. E ao olhar para a Olivetti vejo um monumento do que fui e do que sou e do que não pode nunca ser esquecido. Eu sou na escrita e a escrita é em mim. E por muito que a falta de tempo oblitere este meu amor, sei que, mais cedo ou mais tarde, posso e vou voltar a ela. Porque nas palavras encontrei o amor da minha vida. 

Bridget trying to survive in Africa ou como NÃO conduzir pela esquerda




A ideia nunca foi eu conduzir em África. As estradas são uma confusão, o volante era à direita, a condução à esquerda, tal como o manípulo das mudanças, o meu namorado já não gosta da minha condução em Portugal, quanto mais com tudo ao contrário e eu, não fazia mesmo questão nenhuma de jogar à pista de obstáculos, qual jogo da playstation, mais difícil de sempre. T.I.A.

No entanto, os táxis tinham preços absurdos e nós somos de passear portanto, resolvemos, naquele domingo, logo à chegada do aeroporto, alugar o carro mais barato que lá tivessem e fazer-nos ao caminho.
 
So far so good. O meu namorado apesar de ser um bocado distraído, o que não convém nada, principalmente naquelas estradas, lá se foi desviando das crianças que se atravessavam, dos cães que tinham elegido a estrada como the place to be, dos carros estacionados na faixa de rodagem, das valas de 1 metro de profundidade nas bermas, nas quais me visualizei a cair vezes sem conta. Com o coração na boca lá fui, tentando manter o silêncio e rezando a todos os deuses locais para que chegássemos vivos ao destino. E ao fim de uma hora de curva e contra curva conseguimos. Julgava eu que o pior já tinha passado. Mas não.

Passado dois dias fomos a Port Louis sendo que a viagem de ida, comparada com a anterior, foi um passeio no parque. As estradas para Norte eram relativamente melhores passando por muito menos povoações e apenas quando chegámos à cidade é que nos infiltrámos no caos instalado, durante uns 20 minutos, até percebermos que tínhamos chegado ao nosso destino e arranjarmos um parque onde estacionar. O regresso foi um pouco pior... À noite, sem iluminação, foi bastante mais difícil reconhecer o caminho de volta sendo que só tínhamos um mapa turístico como companhia, onde a maior parte das estradas e localidades não tinham lugar. Tentámos orientarmo-nos pelas estrelas e pela geografia das montanhas até que com a ajuda de algum sentido de orientação (graças a Deus que andei 12 anos nos escuteiros) e de sorte, reconhecemos um monumento Hindu que já fazia parte do meu portefólio de fotografias da paisagem, desde essa manhã. Mais uma vez, o alívio da chegada era atroz.

Porém, tudo estava prestes a mudar. Quinta-feira decidimos ir conhecer as Tamarin Falls, uma série de sete cascatas localizadas no sudoeste da ilha, junto a Le Morne, paisagem considerada património mundial pela Unesco. Depois de atravessarmos a ilha de um ponta à outra chegámos ao cume da montanha de onde a água caía e encontramos um senhor que nos perguntou se queríamos ver as cascatas. Quando respondemos que sim aquele limitou-se a dizer follow me com uma pronúncia afrancesada e nós limitámo-nos a segui-lo.

Nisto, começámos a descer pela selva, assentado os pés entre rochas e raízes cobertas de lama e agarrando todas as lianas ou ramos que pudessem abrandar a nossa descida. Começava a ser picada por insectos e indagava que a aventura poderia acabar com o nosso suposto guia a raptar-nos para nos vender em partes. Até que chegámos à primeira cascata. Uma vista de cortar a respiração, especialmente para quem se debruçou naquele parapeito natural que me fazia tremer os joelhos só de imaginar. Ainda assim, mantendo-me uns passos atrás, a uma distância segura, respirei fundo aqueles segundos de felicidade. Depois, esta sensação repetiu-se quatro vezes mais nas cascatas seguintes até que me apercebi as horas que eram e decidimos fazer o caminho de volta.

De volta ao terceiro patamar, informámos o guia que gostávamos de tomar banho nas cascatas ao que este assentiu e disse que aquele era um bom lugar para fazê-lo. O meu namorado que queria mergulhar, perguntou ao guia se era seguro saltar para a água ao que ele respondeu que sim. Só depois de ver a cara com que o meu namorado emergiu da cascata é que concluímos com toda a certeza, que o guia não percebia uma palavra do que lhe tínhamos dito. Ele estava cheio de dores, algo se tinha passado..

Saiu da água e o pé, apesar de a água estar gelada, já estava o dobro do tamanho. Vestimo-nos a correr e ele começou a escalada que ainda era longa até ao topo da montanha onde tínhamos estacionado o carro, antes que a adrenalina se fosse e as dores se instalassem. Eu fiquei para trás à espera do guia, que resolveu entrar na água com todos os cuidados e banhar-se. Finalmente chegámos ao carro e ele, mesmo cheio de dores, insistiu em conduzir em direcção ao hospital mais próximo. Pequeno pormenor, não fazíamos ideia onde é que era, mas isso não é nada relevante.

Ao fim de uma hora e meia, a noite tinha caído, eram seis da tarde e chagávamos ao hospital público de Rose Belle, zona indiana, que nos tinha sido indicado como o melhor. Apesar das dores, o medo era ainda maior e o meu namorado tinha conduzido até ao hospital, sem sequer se queixar. Entrámos no hospital, eu a fazer papel de moleta e o meu namorado de sassi perere. Ele foi levado imediatamente de cadeira de rodas, eu fiquei a fazer o check in, e quando me juntei a ele na sala de triagem, já tínhamos cinco médicos à nossa volta a tentar fazer o diagnóstico. Éramos os únicos caucasianos no hospital, sendo que os únicos caucasianos na ilha eram turistas e normalmente não saiam do resort. Depois de termos contado como é que aquilo tinha acontecido, e de termos causado o momento de diversão da semana da equipa médica, resolveram, dado que iríamos fazer um voo de 12 horas em 2 dias, colocar gesso no pé abatatado, não fosse o diabo tecê-las. Durante esse processo perguntaram de onde vínhamos. O meu namorado, homem de pouca fé disse Europe, na certeza de que nas Maurícias nunca tinham ouvido falar de Portugal, mas eu, concretizei, We're from Portugal, e eis o nosso espanto quando os médicos, para além do típico Cristiano Ronaldo, disseram que tínhamos um óptimo Inglês para Portugueses. Para além disso tivemos direito a uma aula de história, as Maurícias foram descobertas por Portugueses. Porém, não tendo dado a importância devida àquele paraíso, deixamos os créditos e ocupação, aos holandeses.

Meia hora depois, já com a receita aviada, e sem pagar um único tostão, saímos felizes do hospital dada a simpatia e profissionalismo nada expectável num hospital de terceiro mundo. Mas o grande problema surgia agora. Nem pensar que o meu namorado ia conduzir com gesso e por isso, cabia-me a tarefa hercúlea de nos fazer chegar sãos e salvos ao hotel, a cerca de uma hora de distância.

Problema número dois: sou míope e não levei óculos para férias, não ia propriamente precisar deles, pensava eu. Problema número três: iluminação pública nas ruas e estradas não existe. Não ia ser nada fácil mas não havia outra opção. Liguei o carro, com a mão esquerda encaixei a primeira e com a mão direita tentei ligar o pisca, sendo que, em vez disso liguei o limpa pára-brisas. Espectáculo.

Lá seguimos então, pela esquerda, o meu namorado a ver-se dentro da berma com o carro capotado, e eu a visualizar a mesma imagem cada vez que ele gritava olha a berma!!. Tensa como nunca estive, as dores nas costas e no pescoço instalada, e eu não via nada à frente. Pior que conduzir na escuridão, só mesmo conduzir na escuridão a ser encandeada pelos carros que vinham em sentido contrário. Fuck!! Fazer rotundas ao contrário até foi divertido até perceber que as prioridades era todas ao contrário. Já tinha passado uma hora e ainda devíamos estar a meio do percurso. Saímos da estrada principal e virámos para o caminho que nos levaria ao hotel, caminho esse onde as aldeias de beira de estrada se repetiam, tal como todos os perigos que elas traziam: crianças, cães, pessoas, carros parados, ultrapassagens violentas (porque ninguém tinha paciência de conduzir atrás do nosso carro por mais de 1 minuto). As lombas nível 8 na escala de Isaltino também não facilitavam. Para além de tudo, quando me apercebia que vinha um carro na direcção contrária e que em breve deixaria de ver, parava o carro - antes isso do que me capotar o carro no meio do nada ,julgava eu. Mas cada vez que parava o carro, a certeza no meu namorado de que eu não conseguia ver um elefante à minha frente (o que era verdade!), crescia, na mesma medida que o seu pânico se instalava, tal como o meu.

Ao fim de duas horas, a cerca de dez minutos do hotel, passei por um carro que vinha da esquerda que me buzinou. Pois é, ele é que tinha prioridade, mas tudo bem. O meu namorado pediu encarecidamente que eu parasse o carro porque preferia ir ao pé-coxinho. Se não estivesse tão nervosa ter-me-ia rido mas não o fiz. Depois de convencê-lo que chamar um táxi no meio do nada não seria uma boa ideia, lá voltou para o carro e dez minutos depois chegámos ao hotel.

Esta experiência vai definitivamente entrar para as coisas mais "diferentes" que já fiz na vida: conduzir pela esquerda de olhos vendados! - check! Mas a moral da história que retirámos daqui é essencialmente esta: não acreditar nos guias que nos dizem que é seguro saltar para a água antes dos próprios o fazerem e nunca, mas nunca, ir para lado nenhum sem óculos!




 
 
 

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Não há longe, nem distância... NOT

Não é a primeira vez que escrevo sobre o tema. A cada dia que passa tenho mais pessoas espalhadas pelo mapa e mais referências que me fazem lembrar todos os dias. Assim, a mera menção a cidades e países que antes não me despertavam qualquer emoção, hoje em dia provocam-me aquele sorriso angustiado que só se sente quando a distância é maior. Sei que é muito português este meu sentir mas, hoje, encontrei um novo nome para o que sinto.
 
Antes, ouvir falar da Bulgária era completamente indiferente, mas hoje, quando acontece, sinto que arrancam um pedaço de mim, pela distância que jaz entre as minhas primas e eu, que insisto teimosamente em não sair do lugar. Mas depois penso que estão todos bem, e que emigrar é preciso e tento acalmar o meu peito com as memórias dos sorrisos e brincadeiras de criança.
 
Hoje, o relato que oiço na rádio do trânsito na VCI e na AeP já não é algo que ignoro mas o momento em que penso apenas nos amigos que fiz naquela cidade que me soube acolher tão bem, durante os meses em que passeie intermitentemente nas suas ruas e na amiga que trocou Lisboa por aquela cidade. Mas depois penso que não estamos assim tão longe e que vamos ter mil e uma oportunidades para nos  reencontrar e repetir as gargalhadas e cigarros... e tento anular a minha vontade de me meter no Alfa e partir.
 
Actualmente, quando se fala em Angola, saltam-me no estômago vinte nomes de amigos que me fazem tanta falta aqui perto. E depois penso que eles estão a fazer a coisa certa e embriago-me na esperança do regresso, contando os meses e anos que correm no calendário, uns dias mais depressa e outros nem por isso e tento pensar noutra coisa qualquer, sem resultado visível que não a impaciência.
 
A saudade enche-nos a alma porque é a maior demonstração de que sentimos, de que somos gente e de que estamos a fazer qualquer coisa bem, porque o amor que temos saiu de nós e está espalhado por aí. Na realidade e infelizmente, passo meses sem ver os que amo, mesmo quando estes estão perto, o que é a maior estupidez que faço no repetir desperdiçar dos meus dias. Mas a vida tem destas coisas e a única coisa que nos resta é não desistir. Mas quando a distância é maior, a saudade ultrapassa-se a si mesma e transforma-se em lonjura que não é mais do que a falta que sentimos mais a impossibilidade de ser para breve o reencontro. E dói.
 
 "Não há longe nem distância" sempre foi um dos meus motes, porque sempre me significou que nada é impossível quando se quer muito, quando se ama muito. Porque quando assim é, mesmos nos confins da terra, trazemos quem nos faz falta sempre connosco, mesmo quando partem sem regresso.
 
Hoje, porém, não é um desses dias. Porque há dias em que a alma está do avesso e a distância magoa e aperta no peito quando tentamos respirar.
 
Por isso, hoje, sinto que há demasiado longe e distância a mais, entre mim e aqueles pontos no mapa que me fazem sorrir. Por isso, à pergunta o que sentes, hoje não respondo borboletas. Respondo que sinto lonjuras. Respondo que sofro de distâncias.