Em 2006, na preparação de mais um Sudoeste com o gang, fui perscrutar o cartaz para tentar compreender o que daquela lista de nomes interminável valia a pena ouvir. "Encontrei" as músicas dos artistas que achei valerem a pena e gravei um CD para ouvirmos a caminho, no estágio de mais um verão que ficou marcado na história da minha vida. Seu Jorge constava da referida compilação. O gang ouviu e aprovou e assim, no dia e à hora marcada, lá estávamos nós, na tenda alternativa com mais 40 pessoas, mesmo ao início da noite.
O Seu Jorge decidiu, de cigarro da boca, abrir as hostilidades com um "Não vou nada bem" a roçar o metal, alternado com dezenas de palavrões berrados desafinadamente ao microfone. As minhas amigas ficaram em pânico. Era a tenda alternativa e ali já tinha visto bem pior. E por isso, foi de braços abertos que nos deixámos ficar e recebemos, em primeira mão, um pequeno grande concerto de um músico a seguir. A honestidade da sua desafinação rouca lançada com toda a liberdade no perfeito compasso do funk, samba e mpb, prendeu-me para sempre àquele preto magricela, fazendo dele o Meu Jorge. E desde aí, alguns albuns e outros tantos concertos mais tarde, continuo fiel.
Mais uma vez, este ano, numa arena onde cabiam 50 tendas alternativas, lá fui ouvir o meu Jorge que já não era só meu mas de um mar de gente. É um facto, meu Jorge virou moda mas nem isso me impediu de ir vê-lo.
E amei cada segundo. Cada balada, cada minuto dos trinta que demorou a recitar mais um texto interventivo, como é habitual nos seus espectáculos.
No entanto, à minha volta, multiplicavam-se as expressões de tédio e de arrependimento, porque é que a seca do preto não se cala e toca qualquer coisa para a malta dançar. Tentei não ligar e segui gritando e cantando com o resto dos meus pulmões a alegria que queria manter e contagiar, apesar de tudo.
Com a "Burguesinha" e a "Amiga da minha mulher" meu Jorge falou ao coração das massas e as massas responderam na excitação de mais uma música de verão. No entanto, meu Jorge é mais do que duas músicas óptimas para soltar o pandeiro. E isso causou desilusão à burguesia que ansiava dançar repetições da mesma fórmula de seu sucesso. Mas meu Jorge é o Jonhy Depp da música brasileira, que apesar dos blockbusters que lhe trazem muito dinheiro, o qual agradece, não se conforma ao que esperam dele e mantem-se inalterado no talento da sua honestidade atroz.
Desde o tive razão, ao menino que vende balas no trem, tudo era tão bom que a minha voz exultava de alegria por saber o privilégio que era lá estar com ele. Já mais para o fim, antes dos hits da noite, ele cantou só mais uma balada, a minha balada, Life on Mars, um cover adaptado para português da música de David Bowie e que faz parte da delícia de filme que é o Life Aquatic. E que, salvo erro, nunca tinha feito parte dos seus alinhamentos nos concertos em que estive presente. Aquilo era meu Jorge, exatamente à minha medida e eu estava feliz.
E o que dizer da ressaca do concerto, quando no dia seguinte a burguesia em peso critica o meu Jorge por ele ser exactamente o que ele, tornando viral um downgrade de Bestial a Besta, literalmente da noite para o dia?
Quase nada. É um misto de tristeza por não o compreenderem e não saberem o que perdem; de indiferença, porque sei que é para o lado que o meu Jorge dorme melhor; e de alegria, porque sei que no próximo concerto a burguesia que foi desta vez vai ficar em casa, e pode ser que assim sobre alguma cerveja. Independentemente do local do próximo concerto do meu Jorge, sei que lá estarei.
Porque quem gosta, gosta sempre. Enjoy!
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