quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Tropicália ou a Educação de Caetano

Há uns dias tive, mais uma vez, a oportunidade de presenciar Caetano Veloso a fazer o que ele faz melhor. E desta vez veio acompanhado por Maria Gadú, a voz quente da maria-rapaz preferida do Brasil. Enquanto esta foi uma aquisição recente do meu imaginário musical, Caetano sempre fez parte de mim, ao ponto de não me recordar de como ou quando começou a sua incursão na minha vida. Ele está comigo desde sempre. Este par de músicos magníficos conseguiu a proeza de concretizar um concerto intimista no Pavilhão Atlântico, conhecido pela péssima acústica e impessoalidade. Mas cada um deles, com as suas vozes e violão, encheram aquele espaço de calor e saudade e ternura. Enquanto os mais novos aguardavam as músicas de Gadú, eu torcia para que viessem de Caetano, pelo menos, algumas das minhas preferidas. E vieram Camaleoa e Qualquer Coisa que foram entoados, por ele, por mim e mais uns quantos da escola de Caetano. De olhos fechados, como se o vento da janela a percorrer a minha cara, no carro a caminho da praia de Fábrica, passasse de novo por nós. Muitas lágrimas tiveram de ficar contidas enquanto a voz divina de Caetano me arrepiava a pele, uma e outra vez. No concerto do outro dia só faltaram "etc", "fina estampa" e "paloma".

E nisto cheguei a uma conclusão. Grande parte da minha personalidade foi vincada pela música de Caetano. A minha educação foi a Educação de Caetano. Ou Tropicalista, como diz o meu namorado com o orgulho de também ter tido um vislumbre dessa educação, apesar de ter escolhido enveredar por outro caminho, o de Chico Buarque de Holanda, não muito afastado do meu, mas diferente na forma de expressão.

Cresci e fui educada pelos meus avós maternos, os melhores do mundo, que me ensinaram que a bondade e a seriedade são essenciais, apesar das dificuldades que nos possam trazer. O meu avô demonstrou-me a importância da escola e dos livros para se chegar mais longe. A minha avó ensinou-me a amar. Apesar de serem conservadores em muitas coisas, como na ideia machista de a minha avó não poder trabalhar fora de casa, eram liberais em muitas outras. O conservadorismo de esquerda do meu avô, dos bons livros e da igualdade e respeito por todos faz de mim grande parte do que sou, apesar de me ter tornado liberal do centro... Não há nada melhor que o meio copo.

Mas Caetano, entra na minha vida por via dos meus tios, que me levavam com eles de férias e em quase todos os fins-de-semana. Caetano era banda sonora constante em qualquer deslocação e com 5 ou 6 anos, eu e a minha prima R. já entoávamos as suas letras do Concretismos, nada fáceis de decorar. E as músicas e forma de vida de Caetano transmitiram-me os valores de respeito pelos homens e mulheres de qualquer cor, credo, nação ou sexualidade, o respeito pela natureza, o amor à liberdade e ao não preconceito, a importância de reconhecer beleza em qualquer lugar, a importância do amor. Tudo numas centenas de músicas que se não sei de cor, trauteio. Sendo que foi o menino do rio foi a primeira que decorei do princípio ao fim: peguei na capa do CD e copiei a letra para o caderno da escola.

Não foi fácil entrar para o ciclo e afirmar de forma naif que o meu músico preferido era Caetano, enquanto todos entravam em histeria com os Back Street Boys que sempre achei detestáveis. Mas mantive-me sempre fiel. E quando Caetano virou moda por causa do Sozinho que passava na novela, toda a gente passou a adorá-lo, sem saber o que faziam. Continuei a gostar de Caetano, que ele é de todos e é assim que tem de ser. Porém, não gosto do sozinho, banalizou-se.

Espero, um dia poder educar os meus filhos da mesma forma, com Caetano a ajudar. E o Chico também ;)

2 comentários:

Dulce disse...

Eu cá também sou mais 'Chico Buarque', embora goste imenso de Caetano Veloso e do seu repertório... Há uns tempos deram-me a conhecer Maria Gadú e fiquei extasiada com a sua simplicidade e, claro, com a sua voz e postura de maria-rapaz! A dupla funciona muito bem (infelizmente só ouço via youtube), se estivesse em Portugal também teria ido ao Atlântico! Ainda por cima, segundo o teu relato, conseguiram dar um concerto intimista naquele gigantesco pavilhão... e isso é, de facto, uma proeza!

Anónimo disse...

A Tropicália, Tropicalismo ou Movimento tropicalista foi um movimento cultural, que surgiu sob a influência das correntes artísticas de vanguarda e da cultura pop brasileira e estrangeira (como o pop-rock e o concretismo); juntou manifestações tradicionais da cultura brasileira a inovações estéticas radicais. Tinha também objetivos sociais e políticos, mas, principalmente comportamentais, que encontraram eco em boa parte da sociedade urbana brasileira, sob o regime militar, no final da década de 1960. O movimento manifestou-se principalmente na música (cujos maiores representantes foram Caetano Veloso, Torquato Neto, Gilberto Gil, Os Mutantes e Tom Zé); manifestações artísticas diversas, como as artes plásticas (destaque para a figura de Hélio Oiticica), o cinema (o movimento sofreu influências e influenciou o Cinema novo de Gláuber Rocha) e o teatro brasileiro (sobretudo nas peças anárquicas de José Celso Martinez Corrêa).
Um dos maiores exemplos do movimento tropicalista foi uma das canções de Caetano Veloso, denominada exatamente de "Tropicália".
O começo do Tropicalismo
O movimento surge da união de uma série de artistas baianos, no contexto do Festival de Música Popular Brasileira promovido pela Rede Record, em São Paulo e pela Globo, no Rio de Janeiro.
Um momento crucial para a definição da Tropicália foi o Festival de Música Popular Brasileira, no qual Caetano Veloso interpretou "Alegria, Alegria" e Gilberto Gil, ao lado dos Mutantes, "Domingo no Parque". No ano seguinte, o festival foi integralmente considerado tropicalista (Tom Zé apresentou a canção "São Paulo"). No mesmo ano foi lançado o disco Tropicália ou panis et circensis, considerado quase como um manifesto do grupo.

Embora marcante, o Tropicalismo era visto pelos seus adversários como um movimento vago e sem comprometimento político, comum à época em que diversos artistas lançaram canções abertamente críticas à ditadura. De facto, os artistas tropicalistas fazem questão de ressaltar que não estavam interessados em promover através de suas músicas referências a temas político-ideológicos: acreditavam que a experiência estética vale por si mesma e ela própria já é um instrumento de mudança social.
Durante a década de 1960, delinearam-se na música popular brasileira três grandes tendências:
· a primeira era composta por artistas que herdaram a experiência da Bossa Nova (ou seus próprios representantes), e compunham uma música que estabelecia relações com o samba e o jazz (grupo no qual pode-se inserir a figura de Chico Buarque);
· um segundo grupo reunido sob o título "Canção de Protesto", que em geral estava pouco interessado em discutir a música propriamente dita mas fazer da canção um instrumento de crítica política e social (neste grupo destaca-se a figura de Geraldo Vandré);
e, finalmente, havia um terceiro grupo, especialmente dedicado a promover experimentalismo e inovações estéticas na música, formado justamente pelos artistas tropicalistas.
Diversos artistas eram comuns a estas três correntes simultaneamente.
Dado o carácter repressivo do período, a intelectualidade da época (e principalmente determinadas franjas da juventude universitária ligadas ao movimento estudantil) tendiam a rejeitar a proposta tropicalista, considerando os seus representantes alienados. Apenas décadas mais tarde, quando o movimento já havia passado, é que o mesmo passou a ser efectivamente compreendido e deixou de ser tão menosprezado.
Nomes ligados à Tropicália:
· Caetano Veloso
· Capinam
· Gal Costa
· Gilberto Gil
· Glauber Rocha
· Guilherme Araújo
· Jorge Ben
· Jorge Mautner
· Júlio Medaglia
· Lanny Gordin
· Maria Bethânia
· Os Mutantes (Arnaldo Baptista, Sérgio Dias e Rita Lee)
· Rogério Duarte
· Rogério Duprat
· Tom Zé
· Torquato Neto
· Waly Salomão
· Sérgio Sampaio

http://www.youtube.com/watch?v=p4srizmb8B4

O Chico é do Sporting ;)