sexta-feira, 18 de maio de 2012

Sobre o cinema português ou Resposta à resposta do Sr. Realizador João Salaviza

Disclaimer: Para todos os actores, realizadores, produtores, assistentes, guionistas, câmaras, directores de fotografia, etc, sejam meus amigos, familiares ou perfeitos desconhecidos, este post é escrito na qualidade que contribuinte, porque pago impostos, porque sou uma cidadã activa deste país, porque gosto de cinema, porque trabalho a recibos verdes, porque todos passamos dificuldades e porque estamos em crise. Não quero ferir susceptibilidades, mas sei que o vou fazer. Mas esta é a minha opinião dada em minha casa. Para a malta do BE de quem sou amiga por motivos que não os políticos, por favor não se zanguem.




Sou quase viciada em cinema e televisão desde que me lembro (vicissitudes de se ser filha única). E quando era pequenina queria ser actriz porque era a única forma de poder conjugar todas as profissões que queria ser. Mas depois cresci e decidi que afinal queria trabalhar.

Se retirarem o tom ofensivo que estão a escutar na vossa cabeça enquanto lêem o que escrevo.. a sério podem retirá-lo e ler outra vez. Já leram? Continuam a achar ofensivo? E se eu vos disser que "trabalhar" nas vossas profissões deve dar um gozo tão grande que nem parece trabalho.. Agora leiam outra vez.. Assim está melhor..

Mas dito isto vou partir outra vez para a ofensa: Malta, e especificamente, o Sr. Realizador João Salaviza, o cinema em Portugal não é lucrativo certo? Não estou a falar para cada um de vocês, estou a falar em termos de resultados de bilheteira face à dimensão do investimento.. De retorno do investimento realizado pelo estado.

Ai mas não é o estado português que financia, que às vezes, o Brasil e França também ajudam ao deboche.
"Em primeiro lugar, porque o cinema português nunca recebeu dinheiro do orçamento de Estado, apenas de uma taxa de 4% sobre a publicidade, portanto se existe sector em Portugal que não beneficia de subsídios e apoios estatais esse sector é exactamente o do Cinema." - Sr. Realizador João Salaviza.

Sr. João Salaviza  isto que o Senhor disse é uma desonestidade moral para quem o lê. É que só pode estar a gozar. Senão vejamos:

Do relatório de contas de 2010 do FICA (Fundo de Investimento para o Cinema e Audiovisual)



"O Fundo tem como participantes as seguintes entidades:

Estado Português, cuja subscrição de unidades de participação foi inicialmente realizada pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, I.P. (IAPMEI), que as transmitiu já em 2009 ao FINOVA, e que está representado nas Assembleias de Participantes (AP) pelo Instituto do Cinema e Audiovisual, I.P. (ICA), detentor das unidades de participação da categoria A,representativas de 39,76% do capital do Fundo"

Trocando por miúdos, o estado português deu ao nosso cinema de Julho de 2007 até Abril de 2012 a módica quantia de 33 milhões de euros. Isto só através do FICA e só para estes cinco anos (quase todos de crise).






Ah, mas a cultura é muito importante. Pois é, mas sinceramente, preferia consignar todos os impostos que pago para disponibilizar medicamentos a idosos que vivem na miséria, a dar condições a escolas e hospitais e pequenos almoços a crianças. Ao invés, 33 milhões de euros foram para os senhores terem masturbações intelectuais que servem apenas para ejaculações precoces dos vossos amigos e conhecidos nas salas que ainda passam cinema português. Agora sim com um tom agressivo se faz favor.

E depois é um escândalo quando as pessoas se amotinam no Pingo Doce. As pessoas gastam cada vez menos em cultura porque a fome, as prestações e tudo mais aperta e o cinema não é uma prioridade. E quando vão ao cinema, querem ver qualquer coisa que as entretenha. Eu não sou apologista de um cinema de massas, semi-acéfalo. Mas se querem fazer viagens intelectuais ao vosso umbigo, façam isso com o vosso dinheiro. Ou então com o dinheiro do Brasil e de França e da Alemanha, que esses podem mais que nós.

É demagógico, talvez, mas o que é que não é? É tudo uma questão de prioridades e a minha prioridade, em tempos de necessidade, não é dar de comer às bocas do cinema português, que têm bracinhos para se alimentar sozinhas. Lamento.

Se sou contra o cinema português, ou contra a indústria do cinema em geral? De todo. Mas façam filmes mais baratos que levem mais gente ao cinema. Nem que para isso tenham de contratar a Soraia que é tão gira. Façam filmes como os franceses e os italianos que são vistos em todo o mundo e são bons.

Tive imenso orgulho quando soube que um realizador tão novo e português como João Salaviza ganhou os prémios que ganhou, principalmente se for verdade o que diz sobre o financiamento do próprio filme. Mas agora digo eu, ou é uma pessoa desinformada ou faz por mentir: o Estado Português financia o cinema português!! Se devia fazê-lo? Não digo que não. Mas não nos moldes e no montante em que o faz. É pura e simplesmente um investimento a fundo perdido, é um plano Marshall dos artistas, só que no fim, nada foi construído. É uma vergonha!


 

3 comentários:

Anónimo disse...

a visão economicista continua. a cultura não dá dinheiro, o retorno do investimento não se calcula numa folha de excel. o retorno não se calcula em números de espectadores nem na bilheteira. o financiamento da cultura é uma obrigação do estado, como ensinar a ler; qual é o retorno do investimento na alfabetização? vão calcular e depois digam-me.

Miss Jones disse...

Caro anónimo

Claro que a visão economicista tem de continuar. No momento em que nos encontramos, essa visão economicista é aplicada desde às taxas moderadoras nos hospitais, aos transportes de ambulância, às escolas, às maternidades, aos médicos, às instituições de solidariedade social, aos professores, entre outros.

Obviamente e se o mundo fizer ainda algum sentido, o cinema e a cultura também terão de estar sujeitas a esta "visão". Porque razão deveriam estar isentos?

Quanto ao retorno do investimento na alfabetização.. Bem, no seu caso, até assumo que não tenha havido, mas regra geral, e em qualquer nação evoluída é o melhor investimento que se pode fazer. Cidadãos informados e formados são cidadãos mais produtivos e, segundo as estatísticas, até são mais felizes. Passar bem!

Verne disse...

O financiamento da cultura é uma obrigação do Estado? ahn? Porque?

Ah espere...pois...eu concordo com a Ayn Rand quando ela diz que a semântica para a esquerda é auto-explicativa: Porque sim! (como eu costumo dizer, caro anónimo, don't let the facts get in the way of reaching a conclusion!)