quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Diários de Motocicleta

Tal como gosto da estética da aviação do inicio do século passado, também gosto muito da estética do motociclismo (excluindo aquela dos motards das concentrações, como é óbvio). Talvez a questão seja mesmo gostar da estética do século passado, independentemente do meio de transporte, sei lá...

No entanto, apesar de gostar muito de andar de avião (à excepção do facto de não me deixarem fumar), tenho um medo completamente irracional de andar de mota. Aliás, não tenho medo de andar, a se, tenho medo de cair. Tanto que, não cheguei a experimentar andar na mota de corrida xpto que esteve estacionada à nossa porta durante mais de seis meses.

No entanto, essa mota foi trocada pela mota de sonho de qualquer viajante, uma aventureira amarela, muito mais segura, muito mais confortável e linda de morrer. Só não bate a Triumph, pelo que dizem os entendidos. Então, como prova do imenso amor que tenho pelo motoqueiro de serviço que, juntamente com a mota de sonho me comprou um capacete, obriguei-me a experimentar ser pendura em algumas trajectos das nossas férias.

Tudo começou numa noite, em que íamos à vila jantar. Caso não fosse de mota, teríamos de levar dois carros, e nos meio do pânico alicercei-me nas minha convicções ambientais intermitentes e disse que sim. Coloquei o capacete de uma forma bastante patética e subi. A viagem começava com uma descida, a pior coisa que me podem fazer e, por isso, respirei fundo e fechei os olhos e seja o que Deus quiser.

Como mantra repetia, és uma mochila, és uma mochila, como menina bem ensinada que sou. Dizem que o truque para ser um bom pendura e não provocar quedas desnecessárias é ser uma mochila, não fazer absolutamente nada, não contrariar nem reforçar as inclinações nas curvas, nada de nada, apenas e só, deixarmo-nos levar pelo condutor como se fossemos a sua mochila. Escusado será dizer qual é a minha nova alcunha. Para a minha tentativa de materialização e renúncia à mania de controlar tudo, ter os olhos fechados era totalmente imprescindível. Se não vir que vou entrar numa curva, mais facilmente perco o instinto imediato de me inclinar ou retrair.

E cortando o ar em curva e contra-curva, num abraço fechado em que quase me fundi com o condutor, mantinha a cabeça enrolada para a direita, como se fosse carapaça de uma tartaruga centenária ou mesmo um Koala on steroids. E à volta, na aceleração da recta, a caminho da bomba de gasolina onde abasteceríamos o nosso stock de Marlboro, olhei para o asfalto e a nossa sombra passava por nós, vezes e vezes sem conta, rapidamente, fugia e voltava, à medida que passávamos da luz de um candeeiro para o outro. Nesse momento, a nossa sombra era uma só. Sorri.

No dia seguinte, subimos pela costa e visitámos todas as praias, miradouros, penhascos, aldeias de beira de estrada, numa profusão de descidas íngremes e curvas fechadas e trânsito parado, tudo o que me poderia assustar. E de olhos fechados continuei, no abraço forte, confiando que me levassem a casa, sã e salva. E por fim, parámos à beira mar a comer farturas. Sorri.

Ainda estou longe de ser a pendura perfeita e de perder o medo de cair entre o asfalto e trezentos quilos de metal e acessórios, mas pelo menos já sei descer da mota e, de vez em quando, ainda consigo ver uns frames da paisagem. E sorrir.

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